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  • Foto do escritorCamila Masera

Herança: é possível deserdar um filho?


Herança é possível deserdar um filho?

Você sabia que os herdeiros necessários, que incluem todos os parentes em linha reta, não podem ser excluídos da sucessão apenas pela vontade do autor da herança, a menos que sejam deserdados ou declarados indignos?


Isso mesmo! Para excluir os herdeiros necessários (que são aqueles que têm direito a parte legítima da herança: os descendentes - filho, neto, bisneto - os ascendentes - pai, avô, bisavô - e o cônjuge), é preciso que tenham cometido atos que justifiquem a indignidade ou deserdação. Ou seja, não é tão simples. Por isso, vamos esclarecer em quais circunstâncias há essa possibilidade.


Qual a diferença entre indignidade e deserdação?


A indignidade é uma sanção civil imposta por lei e formalizada por meio de uma sentença judicial. Pode ser aplicada ao herdeiro legítimo, testamentário ou legatário que agiu de maneira injusta com o falecido, o que resulta em sua exclusão da sucessão devido ao comportamento reprovável.


A deserdação, por sua vez, ocorre pela expressa vontade do autor da herança, que a manifesta por meio de uma cláusula testamentária que contém a declaração explícita da causa que justifica a deserdação.


Isto é, a indignidade possibilita a exclusão da sucessão tanto dos legatários quanto dos herdeiros necessários, enquanto a deserdação se aplica exclusivamente a estes últimos.


Assim, a legislação buscou garantir uma proteção mais robusta aos herdeiros necessários, considerados membros essenciais e mais próximos da família. Essa proteção foi estabelecida ao determinar que metade da herança deve ser reservada especificamente para esses herdeiros, a fim de lhes proporcionar uma maior segurança patrimonial.


É importante destacar que os legatários são indivíduos que recebem um bem específico de acordo com as disposições de um testamento, enquanto os herdeiros necessários são representados pelos descendentes, ascendentes e cônjuges do falecido.


E se não houver previsão legal?


Existem duas principais críticas aos conceitos de indignidade e deserdação no âmbito do Direito das Sucessões. A primeira diz respeito às lacunas deixadas pela legislação, enquanto a segunda avalia os métodos de interpretação e aplicação normalmente utilizados.


No que diz respeito à indignidade, as condutas previstas vão desde homicídio ou sua tentativa até a violação da honra ou da liberdade testamentária. Ocorre que comportamentos que claramente violam a solidariedade familiar, como abandono afetivo e lesão corporal, não são contemplados na lei, de modo que a agressão contra os pais pode não ser motivo para a exclusão do herdeiro, mas a injúria contra o padrasto ou madrasta pode sê-lo.


Em relação à deserdação, o cônjuge não foi incluído como herdeiro necessário. Além disso, não é qualquer forma de desamparo que configura fundamento para a deserdação, mas especificamente daquelas situações caracterizadas por grave enfermidade, deficiência ou alienação mental. A necessidade de uma vulnerabilidade concreta do autor da herança pode, assim, tornar a deserdação impraticável em certos casos.


Avanço legislativo


Embora a lista de situações que caracterizam a indignidade seja taxativa devido à sua natureza punitiva, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a tese da tipicidade finalística. Ou seja, o juiz pode considerar outras situações de indignidade cujos objetivos se alinhem com os propósitos estabelecidos pela lei. Um exemplo seria a inclusão de um herdeiro ou legatário que induza o suicídio do autor da herança como uma forma de indignidade, mesmo que não esteja explicitamente previsto no rol legal.


Nesse contexto, há uma preocupação por parte do legislador em ampliar as circunstâncias que podem resultar na exclusão do herdeiro necessário, especialmente em situações que evidenciam concretamente a quebra da solidariedade familiar.


O Projeto de Lei 3.145/2015 tem como objetivo adicionar um quinto inciso aos artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil. Essa adição busca permitir a deserdação no caso de abandono em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência ou similares.


No mesmo sentido, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 118/2010 propõe a inclusão do cometimento de crimes contra a dignidade sexual do autor da herança, seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim até o segundo grau como uma nova hipótese de indignidade.


Ainda, o PLS 3.799/2019, originado do anteprojeto elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, traz algumas modificações na regulamentação da indignidade e da deserdação. Principalmente, a inclusão do abandono afetivo e da ofensa à integridade psicológica como possíveis causas de deserdação.


O caso Suzane Von Richthofen: “A menina que matou os pais”


O caso de Suzane Von Richthofen, famoso por sua grande repercussão nacional, envolve a perda do direito à herança dos pais devido à sua participação no assassinato deles em 2002. A Justiça de São Paulo determinou que o patrimônio da família, avaliado em mais de R$ 3 milhões na época do crime, fosse destinado exclusivamente ao irmão de Suzane.


Em 2015, após um extenso processo legal, Suzane foi oficialmente declarada indigna e excluída da herança. Posteriormente, ocorreu uma mudança legislativa significativa que teria impacto no processo, caso já estivesse em vigor e pudesse ser aplicada.


Em agosto de 2023, foi promulgada a Lei nº 14.661/2023, que modificou o Código Civil ao estabelecer a perda automática da herança nos casos de indignidade após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória do herdeiro indigno. Isso implicaria na exclusão imediata de Suzane da herança de seus pais após o trânsito em julgado da sentença condenatória, sem a necessidade de uma ação correspondente no âmbito cível, o que reduziria significativamente o tempo do processo, que durou quase treze anos.


A exclusão atinge os descendentes do excluído?


Os efeitos da exclusão são restritos ao herdeiro excluído, de modo que os seus descendentes, como os seus filhos, assumem a sucessão como se ele já tivesse falecido antes da abertura dela.


Entretanto, destaca-se que o herdeiro excluído da sucessão não possui direitos ao usufruto, à administração dos bens que serão herdados por seus sucessores, nem à sucessão eventual desses bens. Caso contrário, ele poderia ser beneficiado com os bens de forma indireta.


E se houver perdão?


A reconciliação entre o autor da herança e o indivíduo que foi excluído da sucessão não implica perdão na perspectiva legal. Para reverter a cláusula testamentária de deserdação, é necessário revogá-la de maneira explícita por meio de outra cláusula testamentária. Isso possibilita que a pessoa que tenha sido excluída da herança possa ser readmitida como sucessora.


Caso o autor da herança perdoe o indigno, o herdeiro ou legatário poderá suceder, desde que o ofendido o tenha explicitamente reabilitado em testamento ou por meio de outro ato autêntico. Entretanto, se o testador já conhecia a causa de indignidade e mesmo assim decide contemplar o indigno em seu testamento, este último poderá herdar, mesmo sem uma reabilitação expressa.


Podemos concluir, portanto, que não se trata de um procedimento simples e deve observar todas as normas legais para que ocorra ou para reverter uma deserdação ou indignidade. Consulte sempre um advogado especializado para te orientar corretamente de acordo com o seu caso.

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